Repasse de R$ 78 mi à Caoa será investigado
A montadora de veículos teria sacado a quantia na estatal para abater em incentivos fiscais que recebeu do governo. O repasse pode ser ainda superior
ANDRÉIA BAHIA
A CPI da Celg deve investigar nos próximos dias a informação de que a Celg teria repassado cerca de R$ 78 milhões à montadora de veículos Hyundai, controlada pela Caoa, do empresário Carlos Alberto de Andrade. O valor teria sido entregue na própria Celg, em dinheiro e cheques. O atual presidente da companhia, Carlos Silva, desconhece essas negociações, que em setembro do ano passado foram denunciadas aqui no Jornal Opção pelo presidente do Sindicato dos Funcionários do Fisco em Goiás (Sindifisco), engenheiro elétrico Belmiro Rosa Borges. Na época, ele disse o seguinte em entrevista ao jornal: “A Caoa sacou R$ 78 milhões na Celg porque tinha mais benefício que imposto a abater e foi autorizado que a empresa transferisse o crédito para a Celg. O Estado devolve o dinheiro do benefício por intermédio da Celg. Na gestão do secretário Jorcelino Braga isso praticamente acabou ou quase acabou, mas antes dele tinha muita transfe-rência de crédito para a Celg autorizada por meio de termo de acordo.”
Carlos Silva também ouviu falar que o ICMS que a Celg devia ao Estado ia diretamente para a Caoa, “não sei por quais instrumentos porque eu não os tenho e também não sei os valores”. Segundo ele, neste curto espaço de tempo que está à frente da Celg não foi possível fazer um trabalho investigativo. “Até que eu tenha a devida informação sobre isso a Celg paga ICMS para o governo, para a Secretaria da Fazenda. Não vejo outra forma de fazer. Se chegava à Fazenda e ia para a Hyundai e já ficava separado, isso eu não sei. Mas imposto tem de ser pago para o Tesouro Estadual, não tem outra forma de pagar imposto.”
A concessão de créditos outorgados à Caoa faz parte de uma investigação feita pelo procurador do Ministério Público junto ao TCE Fernando dos Santos Carneiro. A investigação tem como objeto os incentivos concedidos à montadora e resultou no pedido de suspensão desses benefícios fiscais e financeiros, inclusive aqueles que permitiram ao governo conceder crédito outorgado. Em maio deste ano, o procurador afirmou ao Jornal Opção que os benefícios concedidos à montadora apresentam diversas irregularidades, entre as quais o fato de o credito outorgado que ocorreu sem solicitação da Caoa e sem autorização da Secretaria da Fazenda. “Pelo menos não constam nos autos”, diz.
No contrato entre o governo de Goiás e a montadora, o Estado concede créditos outorgados à Caoa no valor de R$ R$ 40 milhões, sendo R$ 2,1 milhões nos primeiros dez meses e R$ 1,375 milhão nos 14 meses seguintes, para serem utilizados no pagamento de ICMS, substituição tributária e transferência a outros contribuintes. Na época, Fernando Carneiro já chamava a atenção para o fato de o valor do credito outorgado ter sido alterado por termos aditivos, passando dos R$ 40 milhões iniciais para R$ 78 milhões. O conselheiro Sebastião Tejota, relator da medida cautelar, negou o pedido do procurador porque considerou que a suspensão dos benefícios poderia resultar em prejuízo jurídico para o Estado. O conselheiro admitiu, na época, que não avaliou o aumento do crédito outorgado porque considerou que esse era assunto jurisdicionado do Estado.
Até agora, a CPI da Celg não avançou em temas desconhecidos e a investigação a respeito da relação Celg e Hyundai poderia trazer à luz outras operações não divulgadas da empresa e que certamente endividaram a empresa. Os deputados que compõem a comissão não conseguem sair da discussão sobre a contratação de escritórios de advocacia sem licitação, mais precisamente dos advogados Adilson Ramos Júnior e Alcimar de Almeida. Segundo informações da CPI, a Celg pagou mais de R$ 40 milhões em honorários advocatícios, sendo que somente para Alcimar de Almeida foram pagos cerca de R$ 14 milhões e para Adilson Ramos, algo em torno de R$ 18 milhões.
A contratação de advogados sem licitação foi investigada pelo Ministério Público (MP), que propôs ação por ato de improbidade administrativa contra os ex-diretores da Celg, José Paulo Loureiro, Javahé de Lima, Adalberto Antônio de Oliveira, Rafael Murolo Filho e Antônio Bauer Batista e o advogado Adilson Ramos Júnior. Na ação, que está na 1ª Vara da Fazenda Pública para ser julgada, o MP pede o bloqueio de bens de todos os ex-diretores da Celg e do advogado Adilson Ramos em mais de R$ 17 milhões e requer também a quebra do sigilo bancário e fiscal de todos os acionados.
O MP também propôs ação por improbidade administrativa em razão da contratação, sem licitação, do escritório do advogado Alcimar de Almeida, que recebeu da Celg cerca de R$ 14 milhões. Essa ação foi julgada improcedente pelo juiz Sérgio Divino Carvalho, que também condenou o MP a pagar R$ 600 a Alcimar de Almeida referente às despesas do escritório. O MP entrou com dois recursos contra a sentença. O primeiro pedindo o afastamento do juiz do caso por meio de uma ação de exceção de suspeição. O MP argumenta que o juiz foi parcial em sua decisão. Na segunda ação o MP contesta a decisão do juiz, que também não permitiu a quebra do sigilo bancário do advogado.
O advogado Alcimar Almeida observa que o MP tem todo o direito de entrar com recurso contra a decisão do juiz, mas não pode pedir o afastamento de Sérgio Divino Carvalho “atacando a sua figura”. A CPI da Celg também tentou quebrar o sigilo bancário dos dois advogados, mas o pedido não foi acatado. Foi aprovada a convocação de Adilson Ramos Júnior e Alcimar Almeida, que antecipou à reportagem do Jornal Opção que está à disposição dos parlamentares, apesar de achar que a CPI está tomando caminhos diferentes da investigação do endividamento da Celg.
Sobre os honorários recebidos pelos serviços prestados à empresa, Alcimar de Almeida explica que seu escritório cobrou menos do que é preconizado pelo Código de Processo Civil, algo em torno de 10% a 20%. “Recebemos 9% daquilo que foi recuperado para a Celg”, afirma Alcimar de Almeida. Segundo o advogado, em 2001, a Celg havia perdido uma ação trabalhista no valor de R$70 milhões e o escritório de Alcimar de Almeida conseguiu reduzir o valor da ação para R$ 28 milhões. Na área de tributária e fiscal, o advogado conseguiu recuperar R$ 70 milhões para a Celg referentes a recolhimento equivocado de PIS/COFINS.
A estatal ainda deve receber cerca de R$ 300 milhões referentes a uma ação judicial que cobra a diferença paga a mais de PIS/COFINS em dez anos e que já foi julgada procedente em segunda instância. “O que recebemos é referente à soma de vários trabalhos, recolhimento de ICMS, mudança de regime de receita para regime de caixas, sem os descontos.” Ele explica que o contrato feito entre seu escritório e a estatal era de risco, ou seja, ele só receberia os honorários a partir do momento em que o dinheiro recuperado estivesse na conta da Celg. Na opinião de Alcimar de Almeida, o pedido de quebra de sigilo bancário é uma medida extrema. “Expõe demais as pessoas sem saber os reais objetivos do MP.” Para ele, é interessante a CPI investigar os contratos que trouxeram receita para a Celg, “e que poderiam ter sido feitas pelo MP, que é quem defende o patrimônio público”.
Atualmente, a promotora Villes Marra tem seis procedimentos envolvendo contratação irregular de advogados pela Celg. Os contratos de Alcimar de Almeida e Adilson Ramos Filho e os firmados entre a estatal e a Interbrazil e a Skaf Faria Advogados Associados. Há também uma investigação sobre a utilização de advogados da Celg para a defesa de processos judiciais e administrativos contra diretores, gerentes e conselheiros da estatal. O termo de acordo celebrado entre a Celg e a Prefeitura de Santa Helena também está sendo investigado pela promotora.
Acordo com Santa Helena — O acordo entre a Celg e a Prefeitura de Santa Helena movimentou a CPI da Celg na quinta-feira, 22. O ex-diretor da estatal Javahé de Lima, em depoimento à comissão, disse que sua assinatura foi falsificada no contrato firmado entre a companhia e a prefeitura, que trata do pagamento de R$ 8,2 milhões do município à companhia. Discutiu-se também outro acordo para pagamento desta mesma dívida assinado em 2004, quando foi firmado o primeiro contrato entre a prefeitura daquele município e a Celg e que não teria sido cumprido.
O contrato em vigor foi assinado em 2006 e Javahé de Lima disse à CPI que se recusou a assinar o novo termo e que a assinatura no acordo não é dele. Admitiu, porém, que um estatuto interno da Celg permite ao presidente ou diretores assinarem em nome de outros diretores em casos da ausência de um diretor. O presidente da Celg, Carlos Silva, explica que diretor nenhum da Celg precisaria ter concordado porque se tratava de uma sentença transitada em julgado. “Não tinha como reverter o processo. Foram em todas as instâncias, inclusive no STF.”
A ação é de 1995 e passou por várias administrações. “Quando começou, Raquel Rodrigues nem pensava em ser candidata algum dia. Ela veio a ser prefeita e o julgamento concluiu no mandato dela.” Na sentença da Justiça, explica o presidente, estava previsto o bloqueio das contas da Celg para pagamento integral da ação. Para evitar o bloqueio, foi feito um acordo entre a Prefeitura de Santa Helena e a Celg para se chegar a um encontro de contas quanto às dívidas que o município teria com a Celg e parcelar o débito de modo que a estatal pudesse cumprir. “Há ilações de que esse acordo teria sido assinado na gestão de Alcides Rodrigues, e não foi. O acordo foi protocolado no Tribunal de Justiça no dia 31 de março”, observa Carlos Silva. O presidente afirma que não houve uma assinatura retroativa, como o deputado Daniel Goulart afirmou na CPI da Celg.
Em relação ao acordo feito em 2004 e que não foi cumprido, Carlo Silva explica que todos os 23 municípios que participavam do que estava sendo pactuado precisavam assinar o acordo. “O prefeito de Santa Helena não assinou e o acordo perdeu a validade.” Segundo ele, foi feito um termo de acordo, mas não houve a anuência de um município por isso não teve validade. Em relação à denúncia de falsificação de assinatura, Carlos Silva admite que houve a assinatura de um diretor pelo outro. “No primeiro acordo, Javahé de Lima assinou por ele e pelo diretor Adalberto Antônio Oliveira. No segundo termo, Rafael Murolo Filho assinou por Javahé de Lima.” Na opinião do presidente, a CPI está buscando as informações sem observar com muita consistência.
O presidente vem acompanhando a CPI da Celg à distância. Para ele, uma vez instalada a CPI este é um assunto do poder legislativo. “A casa tem autonomia para levar adiante as investigações e nós, especificamente como presidente da companhia, temos que manter o nosso equilíbrio, nos mantermos equidistantes, logicamente que acompanhando os fatos e disponibilizando as informações que porventura nos forem solicitadas.”
Segundo o presidente, as investigações no parlamento não interferem nas negociações com a Eletrobrás. Ele espera que a solução encontrada para a Celg não se reflita apenas no setor energético, porque a estatal faz parte de um todo e energia é uma questão de segurança e soberania nacional, mas que também possa atender aos interesses do Estado e do povo de Goiás. “Procurar manter a Celg como uma empresa goiana, que também tenha um trabalho para blindar a companhia contra ações externas que não sejam sua atividade principal e que isso não interfira no seu desempenho.”
O presidente afirma que é fundamental que a Celg recupere sua saúde financeira e não aceite mais as interferências. “Como já ocorreram e todos nós sabemos. Talvez isso seja o grande motivo das grandes dificuldades que a companhia passa hoje.” E que levaram a Celg a ficar inadimplente com a Eletrobrás e diversas outras empresas da área. “Nós deixamos de cumprir diversos acordos com a Aneel, de pagamento das dívidas, de manutenção da qualidade do serviço.” A Celg está inadimplente desde 2006. E os problemas da estatal não são apenas financeiros. São de ordem operacional, econômica, financeira, administrativa e política. “Nas atuais circunstâncias, sem uma parceria que possa resgatar a Celg, a situação da companhia é muito difícil.” A Aneel já teria motivos suficientes para decretar a incapacidade da concessão.